Começo pela razão para publicar este excerto que seguirá mais adiante (o começo de uma entrevista de Wolfgang Rihm). Com a idade, depois da reforma, da pandemia, etc., o meu discurso sobre a minha música mudou completamente (talvez melhor, consideravelmente) de carácter. Estou em crer que não foi só o discurso que mudou. A própria música se tornou diferente. Oscuro já foi diferente… A que virá – como espero, umas tantas, se a saúde permitir – anuncia-se diferente, sei já que será diferente…

Rihm diz que compôr é uma coisa muito íntima, fala dos nervos e da química no interior do nosso corpo. Percebo agora que no meu texto sobre Oscuro (2022) ao escrever: “cada obra responde às determinações de um corpo e às determinações de um mundo”, estava já a falar daquilo que Rihm aqui tão bem descreve: os nervos, a química, em suma, o corpo.
Alargo este seu conceito da “dificuldade em inglês”: para mim é difícil, mesmo sendo em português, como se tivesse perdido uma língua para poder adquirir outra língua.

Desde que assisti a uma conferência de Rihm em Bruxelas em 1990 que o penso sobre música, é pensado com Rihm, em contacto com a sua música e os seus escritos. Naquele ano só existia traduzido em francês um artigo. Hoje há muitos mais. E por isso, o que acontece é pensar com Rihm, apesar de Rihm e mesmo contra Rihm (o que também é rico; implica reflexão mesmo que seja para discordar)
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Wolfgang Rihm: O processo de composição é uma coisa tão íntima! É muito difícil falar sobre ele porque é algo que tem a ver com os nervos e também com a química no interior do corpo; e para mim é duplamente difícil falar sobre isso, porque, sabe, é difícil para mim em inglês… e não posso fazer o que sempre gosto de fazer – construir neologismos… Isto é um começo, mas agora vamos começar.

Wolfgang Rihm: The process of composition is such an intimate thing! It’s very difficult to speak about it because it’s something which has to do with nerves and also the chemistry within your body; and for me it’s doubly difficult to speak about, because, you know, it’s difficult for me in English … and I cannot do what I always [like to] do – to construct neologisms … This is a beginning, but now let’s start.

Na sua introdução a esta intrevista Richard McGregor escreve:
Apesar da entrevista ter ocorrido em inglês, a maneira como Rihm fala sobre os seus processos composicionais é por vezes poética, muitas vezes metafórica e altamente evocativa. //

Hunting and Forms: An Interview with Wolfgang Rihm, Richard McGregor (2000)

in Paddison, Max; Irène Deliège. Contemporary Music: Theoretical and Philosophical Perspectives. Ashgate Publishing Ltd. (2010)

5 de Outubro 2023