Discos da semana, 30 de Junho
Quarta-feira, Julho 02, 2008

É curioso verificar que entre os melhores álbuns que a música portuguesa nos deu nos últimos dez anos se encontram criações por músicos de jazz mas que, na verdade, não serão exactamente discos de jazz. Refere-se aqui, a memória desses dois casos notáveis que foram Lobos, Raposas e Coiotes, da dupla Maria João e Mário Laginha (1999) e o mais recente Alice, de Bernardo Sassetti (2006). Solo, de António Pinho Vargas, é mais um título a acrescentar a esta lista de grandes acontecimentos, o próprio tendo já reconhecido que não se trata, exactamente, de um disco de jazz. Solo, contudo, move-se perto das referências que edificaram parte significante de uma discografia com lugar de destaque na história do jazz português. Não será bem uma revisão dessa história. Mas, antes, e com alguns inéditos entre temas do seu passado, uma forma viva de reencontrar uma série de etapas de um percurso notável e que, há já alguns anos, não corria por estes circuitos. Nos últimos tempos vimos António Pinho Vargas entregue a uma não menos importante dedicação à música contemporânea (da qual nasceram os discos Monodía ou a ópera Os Dias Levantados). Durante alguns anos, o trabalho de composição não só o afastou dos espaços ligados à sua antiga relação com o jazz, como inclusivamente dos palcos… De reencontros após estas ausências se faz, portanto, o que escutamos em Solo. A ideia de gravar um disco de piano era já antiga, mas só em finais de 2007 teve hipótese de se concretizar. Em cinco dias, fechado no pequeno auditório do CCB, com uma equipa mínima, nasceram duas horas e 45 minutos de gravações úteis. 36 temas, 24 dos quais apresentados no CD duplo que agora chega ao mercado. \”Imperfeições\”, assim chamou António Pinho Vargas aos registos para piano solo que aqui e agora revela. Imperfeições de puro assombro, reflexo da relação do corpo com uma ideia e um teclado. Imperfeições que devolvem António Pinho Vargas a terrenos que convocam natural familiaridade com o que guarda a memória mas que em nada sugerem instintos de nostalgia. Na verdade, o álbum mostra uma perspectiva presente de autor, que consegue diluir e sugerir identidade de conjunto as composições convocadas às sessões frente ao piano naqueles cinco dias intensamente vividos no CCB. Solo traduz ainda a revelação de David Ferreira como editor em nome próprio. E não podia ter sido melhor a estreia \”a solo\” de um editor que não abdicou nunca de valores cada vez menos correntes nesta idade da cultura de hipermercado.
António Pinho Vargas
\”Solo\”
David Ferreira Investidas Editoriais

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