Diário de Noticias , Nuno Galopim

Um ciclo de discos a solo que abre novos caminhos

António
Pinho Vargas edita hoje `Solo II’, disco gravado ao piano que completa
o ciclo que iniciou com o álbum lançado há um ano. Dia 31 apresenta
ambos os discos em concerto a solo na Culturgest. E em 2010 defenderá
uma tese sobre música e poder.
Há um ano a edição de
um disco a solo, assinalava o regresso de António Pinho Vargas às
gravações em nome próprio após longa pausa. Não que tivesse abdicado
dessa sua música, antes dedicado o tempo a outros terrenos e outros
estudos. O reencontro com o piano, com os microfones por perto,
concretizava assim um sonho antigo: o de gravar reencontros com músicas
que tinha composto anos antes, repensando-as para apenas um instrumento,
acabando as novas versões por reflectir marcas do tempo que passara…

“Fui um bocado
ingénuo porque devia ter feito as contas, mas gravei quase três horas de
música”, lembra António Pinho Vargas recordando cinco dias intensos que
passou no Pequeno Auditório do CCB, sob a atenção do engenheiro de som
José Fortes. Uma “explosão”, como descreve, atribuindo-a a vários
factores, “um deles a vontade de tocar”. A ideia na base deste conjunto
de discos (Solo I e o novo Solo II, que hoje é lançado) tem um fundo
retrospectivo, mas vive de um diálogo entre a memória de composições
antigos e o presente em que o músico as reencontra. “Há anos fiz uma
série de músicas”, lembra, descrevendo o desafio com um uma questão:
“Como é que as vejo hoje e de que forma posso fazer versões para piano?”
Só o facto de passar versões de quarteto ou sexteto para piano “vai
implicar uma primeira diferença”. Depois o tempo passou e estudou outras
músicas. E basta escutar os discos, em confronto com as versões
originais, para reconhecer que as transformações aconteceram.

Perante o volume de
material gravado, houve que tomar opções. Encontrando-se o modelo dois
mais dois. Ou seja, dois CD duplos, o segundo dos quais trazendo agora
algumas novidades face às sessões originais de gravação

Editados os dois
discos seguem-se mais concertos (o próximo no dia 31 na Culturgest). O
ciclo Solo conclui-se discograficamente. Mas entretanto ficaram portas
abertas… “O que se passou lá [durante as gravações], ou seja, ter sido
muito longo, quer dizer que estava com invenção, com ideias muito
diferentes para algumas músicas. Aquilo, em si, parece-me extremamente
criativo. Depois tenho feito uma série de concertos desde a saída do
primeiro disco que, para meu enorme prazer, terminam normalmente com a
chamada standing ovation, ou seja, as pessoas de pé”, relata. Neste
momento, admite que não está “a pensar em gravação para já, mas há
qualquer coisa no ar que fica depois disto”. Há ainda uma série de
interrogações às quais ainda não tem resposta. “Agora há vontade de
tocar… E depois logo se vê. Depende de vários contextos… Eu diria
que depende do vento lá fora, para citar o Fernando Pessoa…”

Entre os seus
projectos imediatos, de resto, está a apresentação de uma tese de
doutoramento à qual dedicou grande parte do seu tempo nos últimos quatro
anos. Com o título Música e Poder (e o subtítulo Para uma sociologia
da ausência da música portuguesa), será apresentada em Março ou Abril e,
depois, terá edição em livro pela Almedina.

Destapando
ligeiramente o véu das conclusões a que chegou, António Pinho Vargas
explica que, para já, pode revelar que “a vida musical, quer em Portugal
quer nas relações de Portugal com a Europa, é regulada por relações de
poder desigual”. E, alertando para o facto de estar a traduzir uma série
de ideias “numa espécie de tópico”, já que para compreender tudo isto
“implica a leitura da tese no seu todo”, acrescenta que outra
importante conclusão revela que “as relações de poder desigual entre os
países centrais da Europa e Portugal reproduzem-se no interior de
Portugal, desqualificando a própria produção interna”. Pelo que, como
remata: “São os portugueses os primeiros produtores da ausência de
música portuguesa.”