Crtítica de Pedro Boléo no Público, 15/09/2014. “Em Six Portraits of Pain, de Pinho Vargas, respira uma ética interrogativa que foi captada com a respiração certa e a intensidade justa pelas mãos do violoncelista Pavel Gomziakov.”
Crítica ao Concerto Inaugural da Temporada da OML com Pavel Gomziakov no violoncelo e direcção de Pedro Amaral.O intervalo mais pequenoPedro Boléo, 15/09/2014Em Six Portraits of Pain, de Pinho Vargas, respira uma ética interrogativa que foi captada com a respiração certa e a intensidade justa pelas mãos do violoncelista Pavel Gomziakov.//
O intervalo mais pequeno.
A Orquestra Metropolitana abriu a temporada com delicadeza e “um ramo de flores”, numa bela interpretação de Blumine, de Gustav Mahler, peça orquestral que chegou a fazer parte da sua primeira sinfonia.Pedro Amaral dirigiu muito bem a obra, e a Metropolitana destacou-lhe o essencial: as delicadas ligações entre timbres desta romântica declaração de amor que um trompete faz à amada, do outro lado do Reno. A música de Mahler atravessou o rio (voando?) e predispôs o público para a escuta da peça central da tarde, Six Portraits of Pain, de António Pinho Vargas.
Como é habitual (mas tem de ser sempre assim?), a peça contemporânea é entalada entre duas peças não-contemporâneas, neste caso do repertório romântico, pois viria ainda Tchaikovsky para “descansar o ouvido” na segunda parte. Talvez seja assim porque a música nova é “perigosa” e “nunca se sabe se o público…” Enfim, hábitos curiosos e discutíveis que se cristalizam.
Mas detenhamo-nos ainda em Six Portraits of Pain. Refira-se, antes de mais, que esta apresentação contraria – e ainda bem – o destino ingrato de muita obra contemporânea que se fica por uma única audição, facto que Pinho Vargas não se tem cansado de criticar, e pelos vistos as coisas vão mudando para alguns (devagarinho…) – Seis Retratos de Dor, portanto. Ou será da Dor? Porque esta obra de intensa procura interior (criativa, emotiva) busca, cá fora, os ecos de uma dor maior, um lamento por um sofrimento comum nos limites do que se pode ou não pode dizer. Pinho Vargas arriscou exprimi-la, com a ajuda de outras vozes, a de escritores de tempos e lugares diferentes: Espinosa, Thomas Bernhard, Manuel Gusmão, Anna Akhmátova, Paul Celan.Não se trata de um programa literário, como gostavam de fazer os românticos. E contudo há ecos de romantismo aqui, na procura da expressão profunda daquilo que é (quase) impossível exprimir e na forma como as palavras – que não se ouvem excepto numa pequena frase de Akhmátova – dão à música uma carga poética e podem sugerir ao intérprete uma posição, uma atitude, um questionamento. Em Six Portraits of Pain respira uma ética interrogativa que foi captada com a respiração certa e a intensidade justa pelas mãos do violoncelista Pavel Gomziakov, capaz de encher o São Luiz até em pianíssimo. Nos intervalos de segunda menor (o intervalo mais pequeno) que paulatinamente constroem as “dores” da obra – que são também as dores, as questões e as resistências da sua criação -, nesses pequenos intervalos abrem-se coisas grandes, problemas da violência da história ou sofrimentos cá de dentro, à beira da metafísica. Do doloroso violoncelo saem ecos para toda a orquestra.E assim se vai para o intervalo cheio de dúvidas, julgando encontrar as certezas no tal “Tchaikovsky para descansar”.
Mas de repente o Tchaikovsky também já é outro – nem que seja em fragmentos de uma dolorosa beleza passada, que já não pode ser para nós. A orquestra aqui não tem dúvidas, porque é o repertório que sabe de cor. Mas a anunciada temporada da Metropolitana, aqui começada, podia ter mais choques com outras músicas de hoje (em que, aliás, Pedro Amaral é especialista), para além dos concertos com obras do “artista associado” do ano, que é António Pinho Vargas, e de pouquíssimas obras do século XX que, lembre-se, já é o século passado… Só nos fazia bem.
Pedro Boléo, 15/09/2014
O intervalo mais pequeno.
A Orquestra Metropolitana abriu a temporada com delicadeza e “um ramo de flores”, numa bela interpretação de Blumine, de Gustav Mahler, peça orquestral que chegou a fazer parte da sua primeira sinfonia.Pedro Amaral dirigiu muito bem a obra, e a Metropolitana destacou-lhe o essencial: as delicadas ligações entre timbres desta romântica declaração de amor que um trompete faz à amada, do outro lado do Reno. A música de Mahler atravessou o rio (voando?) e predispôs o público para a escuta da peça central da tarde, Six Portraits of Pain, de António Pinho Vargas.
Como é habitual (mas tem de ser sempre assim?), a peça contemporânea é entalada entre duas peças não-contemporâneas, neste caso do repertório romântico, pois viria ainda Tchaikovsky para “descansar o ouvido” na segunda parte. Talvez seja assim porque a música nova é “perigosa” e “nunca se sabe se o público…” Enfim, hábitos curiosos e discutíveis que se cristalizam.
Mas detenhamo-nos ainda em Six Portraits of Pain. Refira-se, antes de mais, que esta apresentação contraria – e ainda bem – o destino ingrato de muita obra contemporânea que se fica por uma única audição, facto que Pinho Vargas não se tem cansado de criticar, e pelos vistos as coisas vão mudando para alguns (devagarinho…) – Seis Retratos de Dor, portanto. Ou será da Dor? Porque esta obra de intensa procura interior (criativa, emotiva) busca, cá fora, os ecos de uma dor maior, um lamento por um sofrimento comum nos limites do que se pode ou não pode dizer. Pinho Vargas arriscou exprimi-la, com a ajuda de outras vozes, a de escritores de tempos e lugares diferentes: Espinosa, Thomas Bernhard, Manuel Gusmão, Anna Akhmátova, Paul Celan.Não se trata de um programa literário, como gostavam de fazer os românticos. E contudo há ecos de romantismo aqui, na procura da expressão profunda daquilo que é (quase) impossível exprimir e na forma como as palavras – que não se ouvem excepto numa pequena frase de Akhmátova – dão à música uma carga poética e podem sugerir ao intérprete uma posição, uma atitude, um questionamento. Em Six Portraits of Pain respira uma ética interrogativa que foi captada com a respiração certa e a intensidade justa pelas mãos do violoncelista Pavel Gomziakov, capaz de encher o São Luiz até em pianíssimo. Nos intervalos de segunda menor (o intervalo mais pequeno) que paulatinamente constroem as “dores” da obra – que são também as dores, as questões e as resistências da sua criação -, nesses pequenos intervalos abrem-se coisas grandes, problemas da violência da história ou sofrimentos cá de dentro, à beira da metafísica. Do doloroso violoncelo saem ecos para toda a orquestra.E assim se vai para o intervalo cheio de dúvidas, julgando encontrar as certezas no tal “Tchaikovsky para descansar”.
Mas de repente o Tchaikovsky também já é outro – nem que seja em fragmentos de uma dolorosa beleza passada, que já não pode ser para nós. A orquestra aqui não tem dúvidas, porque é o repertório que sabe de cor. Mas a anunciada temporada da Metropolitana, aqui começada, podia ter mais choques com outras músicas de hoje (em que, aliás, Pedro Amaral é especialista), para além dos concertos com obras do “artista associado” do ano, que é António Pinho Vargas, e de pouquíssimas obras do século XX que, lembre-se, já é o século passado… Só nos fazia bem.
Pedro Boléo, 15/09/2014
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