Nota sobre o Concerto para Viola e Orquestra
O honroso convite para compor este Concerto para Viola foi-me dirigido pessoalmente pela ilustre violetista Diemut Poppen para integrar um programa do Festival Cantabile. A primeira questão que se colocou foi portanto tentar responder à pergunta: “O que é uma Viola enquanto instrumento concertante?”. A pergunta fazia ainda mais sentido tendo eu composto imediatamente antes o Concerto para Violino em 2015, estreado em 2016. A ideia da obra e o processo da sua gradual composição derivou diretamente das tentativas e erros necessários para encontrar uma resposta. A correspondência travada com Diemut e uma viagem a Madrid a meu pedido, na Escola Reine Sofia, uma das várias escolas onde ensina na Europa, foram cruciais para criar e intensificar o conhecimento mútuo e o meio mais natural de “conhecer” melhor um instrumento. Em todo esse processo devo agradecer a riqueza do contacto com uma pessoa de tal estatura. Algumas das ideias formais (a divisão em 4 andamentos) e do material composto estavam já formadas quando surgiu na fase intermédia da composição a metáfora d’ “O Livro de Job: Leituras” que coloquei em subtítulo. Não se trata de um programa, nem de uma impossível descrição de uma grande literatura, mas antes de um olhar distante para a dramaticidade e a estrutura já patente na alternância Lento-Rápido-Lento-Rápido dos andamentos. A relação é meramente especulativa, apenas válida para mim e posso descrevê-la deste modo: uma situação estável, uma turbulência inesperada, uma meditação perplexa (III-Lamento) e um desenlace próximo da grande intensidade quer das dores quer do vislumbre de uma pacificação final. Todos os concertos do repertório envolvem sempre um drama latente entre um discurso individual e um discurso coletivo. Contém um potencial dramático que lhe é próprio. Neste caso, perante a modéstia necessária face ao peso do passado, impôs-se aquilo que sempre busco: criar um discurso, uma narrativa, tentar alcançar um “dizer”, capaz de se traduzir numa significação que possa eventualmente tocar os humanos. Não vejo outra razão de ser no ato de fazer música, nem tenho uma crença numa filosofia da história que me tranquilize antecipadamente. Persigo o “trabalho infinito da liberdade” (Foucault).
António Pinho Vargas, 2018
Vídeo
Diemut Poppen, viola, Orquestra Gulbenkianm dir. José Eduardo Gomes, GA da Fundação Gulbenkian, 2021
https://www.youtube.com/watch?v=GCXLo77Wydc&t=24s
Obra
https://antoniopinhovargas.com/obras/concerto-para-viola/