Nuno Catarino, Público, P2, 4-11-2009

O grande auditório da Culturgest esgotado, a meia-luz, com apenas um foco incidindo sobre o piano. António Pinho Vargas, sozinho ao piano, entrou com um grande bloco de temas, interpretados de seguida, sem pausas.

O conjunto inicial de sete composições arrancou com um prelúdio para Brinquedos e desse primeiro lote de músicas destacou-se particularmente Dança dos Pássaros. De resto, iam sendo alternados temas de Solo I (editado o ano passado) e do novo Solo II, acabado de editar – os dois discos mostram regravações a solo de temas bem antigos, compostos entre os anos 70 e meados dos 90.

Depois deste início de peso, o pianista fez uma pequena pausa em que procedeu aos agradecimentos da praxe, partindo depois para um segundo bloco de composições. Desta vez mais curto, incluiu um dos seus temas mais populares, June, dedicado à cantora folk June Tabor – e na sala ouviu-se em murmúrio essa melodia. O segundo bloco fechou com a interpretação de Que Amor Não me Engana de Zeca Afonso, sem fugir muito ao original. Pelo meio do concerto surgiram os dois temas mais atípicos do compositor: Thelonious Schizo Sketch, música de alta intensidade rítmica (numa aproximação a Monk), e General Complex, o tema mais subversivo do programa, com o pianista a abusar das extremidades do teclado.

O trio de composições finais não foi escolhido ao acaso: Tom Waits (talvez o seu maior êxito, homenagem ao inclassificável songwriter), Lindo Ramo, Verde Escuro (inclui uma citação indirecta de Grândola Vila Morena) e para o fecho ficou reservado La Corazon, música com dedicatória à recentemente falecida Corazon Aquino, como confidenciou o pianista.

Como se viu ao longo do espectáculo, a força da música de Pinho Vargas assenta nas melodias, carregadas de emoção, das quais nunca se afasta, às quais recorre frequentemente, como que em círculos. Nesta música directa sobra pouco espaço para a improvisação, trata-se de uma música de pouco risco. Apesar da pouca aventura, do excesso de fidelidade à partitura, o saldo final foi francamente positivo – Pinho Vargas lavrou interpretações irrepreensíveis, sem falhas. O público gostou: dois encores, ovação em pé. Este regresso ao jazz, depois de um longo afastamento em que o pianista esteve concentrado na composição de música contemporânea, só pode ser visto como um grande sucesso.

Nuno Catarino