É necessário afirmar bem alto: António Pinho Vargas é um autor musical cheio de talento. Pouco importa se a sua música quase exclui a componente afro-americana, se é dominada pelas luzes suaves duma estética do belo, tipo ECM. O importante é que a música de António Pinho Vargas é fascinante em muitos campos. Como no seu rigor e lisibilidade, como na delicada poética dos seus sons.
Não se atrevam a dizer que todos os discos de Vargas são iguais. Para este ouvinte, tal afirmação é quase uma aberração. É não saber que a boa música, como, por exemplo, o jazz, parece igual mas não é. Julgo que António Pinho Vargas deverá repudiar a etiqueta de ‘jazz’ que poderão querer impor à sua actual produção. Com muita razão, penso. Se ainda há certos processos de desenvolvimento musical afins ao jazz, a personalidade da música ultrapassa todo o tipo de baliza estética. O que interessa é o jogo de cores, de sensibilidades e de timbres.
Penso que em Jogos do Mundo António Pinho Vargas apura ainda mais os talentos que tornam o seu universo tão característico. E, apesar do músico estar cada vez mais interessado na música erudita, tudo neste CD é simples e acessível. Como, por exemplo, as peças de piano solo. As ‘Short Pieces’, dedicadas ao compositor John Cage, afirmam-se pela sua lógica, tranquilidade e desenvolvimento, que não são exactamente as componentes fundamentais da música do compositor norte-americano.
Em Jogos do Mundo continua a emergir o intenso sentido melódico do jovem pianista. Não há peça que não esteja carregada da nuvem de sons melancólicos que é a marca de APV.
Em ‘Do Cinema’, o pianista aflora o estilo de piano-jazz à Herbie Hancock que antes praticou e a composição ‘Thelonious of Schizo Sketch’ é a de contornos mais angulosos e inesperados. Mas que dizer da beleza temática e da unidade tímbrica de ‘La Corazon’ e de ‘Do Teatro’? Um autêntico regalo para os ouvidos.
Todos os músicos que colaboram com Vargas concorrem para a afirmação da música dum dos mais interessantes artistas portugueses da actualidade. Seria injusto não destacar a voz e impressionante ‘grito’ do saxofonista José Nogueira, cada vez mais pessoal e emocionante.
Uma obra, os Jogos do Mundo, que merece a mais ampla divulgação e que não deve ser confinada ao género ‘jazz’, pois as luzes das suas notas estão aptas a reflectir-se em todo o tipo de sensibilidade musical.
A opção europeia de António Pinho Vargas conduziu-o, sem sombra de dúvidas, para um universo estético muito pessoal, que não pode ser redutoramente acantonado como ‘música ECM’.
RAUL VAZ BERNARDO, Expresso