Cristina Fernandes, in Público 6/Março/2006

4 de Março de 2006 às 21:00 no Grande Auditório do CCB

Cenários urbanos pela Sinfónica Portugesa Pinho Vargas tirou partido da metáfora dos Graffiti com inteligência, construindo uma arquitectura musical consistente e sedutora para o ouvinte.

No panorama musical português escasseiam as oportunidades para compor obras para grande orquestra sinfónica com garantias de execução. Nesta perspectiva é de louvar o investimento do Teatro Nacional de São Carlos na encomenda de nova música para ser interpretada pela Orquestra Sinfónica Portuguesa (OSP). Depois de João Rafael e Sérgio Azevedo (com obras encomendadas pelo teatro estreadas no ciclo Jovens Intérpretes), teve lugar no sábado a estreia mundial de Graffiti ( just forms ), de António Pinho Vargas, no seio de um programa que incluiu também os Lieder eines fahrenden Gesellen , de Mahler, e o bailado O Mandarim Maravilhoso , de Bartók, obra que retrata o caos e a agressividade impessoal da cultura urbana em pinceladas de forte expressionismo. A metáfora dos Graffiti foi usada por Pinho Vargas não tanto com carácter panfletário mas como um guia conceptual habilmente arquitectado que sustenta a manipulação dos materiais e a gestão da forma. Nela se pode ver também uma continuidade de percurso no sentido em que (à semelhança de outras obras recentes do compositor) coloca um desafio que deverá ser resolvido através de uma espécie de “exercício/estudo” ou “invenção” sobre determinado parâmetro ou parâmetros musicais. À questão da pulsação ou do tempo, junta-se agora a questão da forma. Um dos aspectos relevantes de Graffiti reside no modo como agregados sonoros relativamente simples servem de embrião para discursos contrastantes e multiformes que não descuram o grande potencial da orquestra sinfónica. Este tanto é tratado de forma mais compacta como tira partido da “voz própria” de instrumentos individuais (por exemplo as intervenções quase jazzísticas do contrabaixo de Pedro Wallenstein ou o tratamento da percussão). Mas ao contrário do que a dedicatória a músicos concretos da OSP poderia fazer supôr, não há uma abordagem concertante no sentido tradicional. Secções ritmicamente movimentadas contrastam com o estatismo aparente da introdução ou da longa secção final, que explora o prolongamento de acordes no tempo e a sua ressonância, bem como a sua mutação através de estratégias com raízes na klangfarbenmelodie (melodia de timbres) ou da manipulação de outros parâmetros. Não obstante alguns traços de ironia, a peça de Pinho Vargas emana uma atmosfera de tensão angustiada que casa bem com a obra que lhe sucedeu: os Lieder eines fahrenden Gesellen , de Mahler, na voz da meio-soprano Nadja Michael.

Cristina Fernandes, in Público 6/Março/2006