“O resultado é uma das mais emotivas interpretações dos últimos anos de uma das mais belas obras de António Pinho Vargas”

JL, Maria Augusta Gonçalves, 6-19 Dezembro , 2017

“Esta é uma obra de António Pinho Vargas. Esta é uma das mais belas músicas da tradição europeia. Termina num Allegro – Lamento e isso diz muito, da sua natureza e do seu propósito. O Concerto para Violino in memorian Gareguin Aroutiounian homenageia o antigo violinista da Orquestra Gulbenkian, o professor da Escola de Música de Lisboa e do Conservatório de Sintra, que morreu em 2014. De algum modo todo o programa do novo disco do compositor pode ser visto como uma homenagem ao músico de origem arménia: Quasi una Sonata, que sucede ao Concerto, no alinhamento, foi estreada pelo violinista, em 2010, e a solista, Tamila Kharambura, foi sua aluna, em Lisboa. Uma das melhores. Uma obra de António Pinho Vargas, cada obra de António Pinho Vargas, porém, nunca se fecha sobre si mesma. Cumpre-se em sentimento e reflexão, na sua própria dimensão, é terrena, universal.
A estreia do primeiro Concerto para violino e orquestra do compositor, data de fevereiro do ano passado [2016] e é esse momento que aqui se preserva na sua essência. Na altura, António Pinho Vargas lembrou “a importância notória” da presença em Portugal, “como lugar de vida e trabalho”, de muitos músicos provenientes do Leste Europeu, e o seu impacto iniludível “na melhoria das orquestras e do ensino da música nos últimos vinte anos”. O contacto directo, pessoal, humano, afectivo com a cultura desses países, impôs uma “diferença cosmopolita”, na prática musical portuguesa, escreveu o compositor na apresentação da obra. Gareguin Aroutiounian e Tamila Kharambura, uma jovem e excelente violinista nascida na Ucrânia, são exemplos maiores desse processo, de distintas gerações. A origem dos músicos fez com que o compositor tomasse, como material inicial de base, sequências de intervalos, ascendentes e descendentes, vinda dos modelos do compositor norte-americano de origem russa Nicolas Slonimsky. “A obra ficou marcada pelas relações de afeto interpares e pelo desejo de usar no concerto material proveniente do Leste Europeu, modos, escalas e simetrias, como base que sustentasse musicalmente a dedicatória de forma clara e ampla” escreveu o compositor. A obra cresce dentro de si mesma, com o violino a emergir da orquestra, dando lugar ao próprio interprete impondo reflexão. A obra envolve, compromete quem a ouve, do primeiro instante ao último lamento.
O concerto tem quatro andamentos os dois últimos sem interrupção, ligados entre si. Parte de um Andante, sempre flessibile, un poco rubato, para um Vivo deciso, que incluí a Cadenza determinante. O Maestoso desagua então mo Allegro – Lamento. E essa é necessariamente a essência de tudo, um longo e inexorável lamento. Tamila Kharambura é magnífica. E Garry Walker, seguro, da direção da Orquestra Metropolitana de Lisboa.

O resultado é uma das mais emotivas interpretações dos últimos anos de uma das mais belas obras de António Pinho Vargas. Uma obra que, como muitas outras do compositor, devia ser recorrente no repertório, estar mais presente nas salas de concerto.
O disco incluiu ainda Quasi una Sonata em que Tamila Kharambura se cruza com Inês Andrade, em piano, (como anos antes no encontro vitorioso do Prémio Jovens Músicos da Antena 2, e termina nos quatro estudos de No Art. Outras duas obras extremamente reflexivas de António Pinho Vargas.

Esta edição, garantida pelo Movimento Patrimonial pela Música Portuguesa (mpmp), alarga a discografia do compositor, conquistada quase sempre por si mesmo, título a título. Destaca-se, nos últimos anos, a publicação de Requiem e Judas, da ópera Os Dias Levantados e de Versos e Noturnos (Naxos), de Magnificat, De Profundis, (Warner), de Outro Fim, com libreto de José Maria Vieira Mendes (Culturgest), e de Spot by Step, (Jazz ao Centro), peças para percussão. e ainda de A Dança dos Pássaros, pela orquestra do Hot Club Portugal, publicada já este ano.
Onze Cartas (2011) e o Concerta para Viola (2016), estreado ao ar livre, em Lisboa, no verão do ano passado (sob a perturbação de todos os ruídos de uma noite do Chiado), mereciam igualmente edição por quem de direito. Assim como uma nova gravação de Six Portraits of Pain, que tem tudo para encontrar em breve, de novo, uma interpretação justa e certeira, num concerto com o violoncelista Pavel Gomziakov, a Orquestra Metropolitana e o maestro Pedro Amaral (na impossibilidade de uma reedição urgente que disponibilize a obra).Mas o que faz falta mesmo é a possibilidade de ouvir e voltar a ouvir, sempre que possível o compõem António Pinho Vargas e muitos outros compositores portugueses. O novo disco de António Pinho Vargas pode ser encontrado nas lojas habituais, e também no sítio da editora na internet, em www.mpmp.pt, onde se encontram igualmente preciosos títulos (como as Sonatas para violino e piano de Domingos Bomtempo, também pela magnifica Tamila Kharambura, com Philippe Marques, as Sonatas para Cravo de Carlos Seixas, por José Carlos Araújo e o album Lisboa -Paris, do pianista Bruno Belthoise.
Maria Augusta Gonçalves, JL 6 a 19 de dezembro de 2017.

Concerto à memória de um violino, Maria Augusta Gonçalves, JL (2017)