Magnificat para Coro e Orquestra (2013)

Crítica de Pedro Boléo, PÚBLICO, Dia 14-10-2013

[…] Muito mais interessante foi a segunda parte, em que Cesário Costa pegou seriamente na música de António Pinho Vargas e a dirigiu com todo o cuidado. A Orquestra Metropolitana esteve aqui muito mais concentrada e a peça do compositor português segurou os ouvidos da plateia com intensa presença, até ao forte aplauso final a Pinho Vargas.

Tratava-se de uma encomenda da Culturgest para uma peça comemorativa, mas o compositor (como noutras ocasiões) trocou as voltas à música: em vez de encher de glória e magnificência o seuMagnificat (com o texto original em latim), escreveu uma reflexão musical sobre a memória e o tempo. Peça simples, com motivos recorrentes, como se o compositor nos interrogasse: “Lembram-se?”. Uma obra em tom menor, com reticências, que por vezes parece encerrada num beco sem saída.

Mas sobretudo nos números finais das dez partes deste MagnificatPinho Vargas consegue abrir caminho, num crescendo de tensões acumuladas em pequenas ambiguidades, discrepâncias e suspensões dentro de um sistema aparentemente estável. E nesse desbravar de um percurso, este Magnificat, centrando-se no essencial a partir do número 6 (Fecit potentiam in brachio suo), lança aos ouvidos uma exigência que passa pela acção – um conflito com a injustiça. A partir daí trata-se de “derrubar os tronos”, “dispersar os soberbos”, “alimentar os famintos”. E a música cresce, intensifica-se, lembra-se.

Ouve-se melancolia em vez de glória, interrogação em vez de magnificência, é certo. Mas também uma tentativa de dar a escutar – com um toque de nostalgia, talvez – uma esperança nova, que parta duma confiança na inteligência e na sensibilidade do ser humano.

Diríamos ainda: da sua capacidade de perdão. E aqui, à sua maneira, por linhas tortas, Pinho Vargas liga-se profundamente ao texto religioso original. À interrogação inicial das cordas, a obra só ensaia respostas mais tarde, com um significativo momento coral (sem orquestra) no penúltimo número, brilhantemente interpretado pelo Coro Gulbenkian, que esteve, aliás, impecável durante todo o Magnificat. E no fim, um Glorianada glorioso, que parece inacabado, deixando-nos um apelo. Que ele não seja um apelo ao lamento e ao choro, mas um apelo à memória e à acção.