As obras aqui reunidas compreendem um período que se estende desde 1986 a 1994. E o que, ao longo de quase uma hora, nos possui, nos devora, é precisamente o que decorre da compreensão da evidência do que é a essência da comunicação através da música, ou seja, a apropriação do espaço/tempo real de quem escuta para o transformar numa irremediável anulação de outras dimensões físicas numa absoluta mobilização dos sentidos para reagirem aos estímulos da percepção sonora.
Aprisionado que esteja o espírito e o corpo pelas teias de uma narração protagonizada por sucessões, cruzamentos e simultaneidades de sons, então as expectativas e as emoções, até mesmo as noções de efemeridade e eternidade, transferem-se para planos de imersão numa realidade-outra onde todos os valores, todas as lógicas, todas as pulsações, todos os níveis de (re)conhecimento se confinam à vida própria dos sons, emergindo do silêncio, a ele regressando depois de gritar a sua liberdade.
É isto que acontece com o disco de António Pinho Vargas. Dissecar os porquês desta magia seria arrogante e inútil. Aliás, acredito que o próprio compositor não gostaria que a intromissão racionalizante numa alquimia eminentemente sensorial pudesse destruir o mais puro prazer de ser enfeitiçado pelos mistérios da escuta.
Luís M. Alves, in Público, suplemento “Zoom”
in Público, suplemento
A publicação do CD com obras de Pinho Vargas é, simples e claramente, um dos grandes acontecimentos do capítulo, ainda curto, da história da edição discográfica de música inventada por portugueses. E até em aspectos de complementaridade ao que se ouve, menos ou mais marginais: respectivamente, a fotografia da capa (de Isabel Pinto, mais uma vez) e o fascinante texto do próprio Pinho Vargas que acompanha do disco.