O Piano na obra de António Pinho Vargas
14 de Novembro de 2001
A confirmação de Pinho Vargas como uma das personalidades fundamentais da música contemporânea portuguesa e do poder de comunicação da sua música.
Muitas vezes se tem referido a onda de primeiras audições e encomendas a compositores portugueses nos últimos dois ou três anos, mas destas obras quantas permanecerão no repertório? O destino da maioria será o regresso à gaveta do compositor, após o vislumbre efêmero da luz do dia. Um dos criadores que parece contrariar essa tendência, é António Pinho Vargas, a quem foi dedicado o último concerto comentado no Centro Cultural de Belém (CCB). ‘Mirrors’ (1989) , a primeira obra em programa após os elucidativos e bem humorados comentários do autor, é um exemplo emblemático. Objecto de duas gravações – uma por Francisco Monteiro e outra por Madalena Soveral – , tem feito parte do repertório da maior parte dos pianistas nacionais, de alguns estrangeiros e de alunos do curso superior, sendo provavelmente a peça para piano mais interpretada de um compositor português contemporâneo. É mesmo sintomático que nesta ocasião tenha sido tocada por Ricardo Sá Leão, finalista da Escola Superior de Música de Lisboa e um pianista promissor, com grande apetência para a música contemporânea. A divulgação regular da obra do compositor tem permitido também criar afinidades interpretativas, como acontece com Miguel Henriques e Ana Ester Neves, a quem coube apresentar ‘Nove Canções de António Ramos Rosa’ (1995). Gravadas recentemente por Rui Taveira e Jaime Mota, coincidem com o culminar da progressiva libertação de Pinho Vargas em relação a alguns supostos dogmas da vanguarda dos anos 60, que o “assombraram” durante os seus anos de estudo. O recurso descomplexado a “objectos musicais de todo o tipo”, que continua ainda hoje a marcar a sua música, é aqui posto ao serviço dos intensos poemas de Ramos Rosa, recriando sugestivos ambientes no piano, com evidentes ligações semânticas ao texto, e conferindo à voz uma grande variedade de inflexões, sem nunca negligenciar a limpidez da prosódia. Ana Ester Neves cantou-as com subtil inteligência e entrega emocional.
O recital prosseguiu com ‘Holderlinos’, uma peça que suscitou uma interessante discussão sobre questões intepretativas entre Pinho Vargas e Miguel Henriques. Este ciclo evoca a temática do Festival de Coimbra de 2001 (Romantismo / Modernismo) – que o encomendou – , inspirando-se em algumas figuras-chave da história da música. Os títulos são elucidativos (1. “Hommage a Schoenberg”; 2. “Ligeti mio”; 3. “Liszt in Bellagio”; 4. Coral”), mas o resultado está bem longe da fórmula “composição ao estilo de…”. A estas referências podemos acrescentar ecos do pianismo de Debussy, em especial nas fantasiosas arquitecturas de “Liszt in Bellagio”, sem contudo ofuscar a marca pessoal de Pinho Vargas.
A herança de Ligeti é outra referência assumida, podendo encontrar-se também nos ‘Três Estudos para dois Pianos’, ouvidos em primeira audição. Trata-se de uma versão dos ‘Estudos’ para percussão estreados em 2000. A pulsação regular serve paradoxalmente de alicerce a uma textura de grande complexidade rítmica, mas abona em favor da clareza e direccionalidade do discurso.