“Escrever um Requiem é, em primeiro lugar, dar uma “resposta” a uma história de numerosas obras musicais do passado”, escreveu Pinho Vargas numa apresentação. Tarefa ambiciosa, portanto. Um Requiem à música do século XX? Ou um Requiem íntimo e humanista que interroga o medo, que se confronta com o acto de compor e, ao mesmo tempo, foge?
Fuga, sim, ao confronto com a morte e com o passado que já não volta. Busca, talvez nostálgica, de re-compor uma unidade orgânica na música e na história que se partiu. Simplificação de meios para dizer o mais complexo. Nas texturas densas da orquestra, por vezes quebradas, mas numa procura incessante da reconciliação. Contraditório Requiem, pois, que enfrenta o texto “terrível” do Deus vingador para fazer as pazes com o desconhecido. Pinho Vargas resolve a questão não numa procura da originalidade, mas numa viagem interior, pessoal e melancólica perante o projecto impossível de dizer como é o que já não há. Por isso o Confutatis (“Livra-me da agitação dos malditos”) ganha mais força do que o Dies Irae, onde a ira de Deus se esfuma. Por isso, o Lacrimosa apaga o seu lado ritual para se apresentar mais como uma correspondência lírica a alguém que se amou… e ainda ama. Porque este Requiem tem declarações de amor e interrogações sobre o acto de compor. A voz de Pinho Vargas parece estar mais na orquestra do que no coro, quase sempre remetido para uma escrita linear, mas tornado denso por um trabalho harmónico interessante: a harmonia que comenta o desaparecimento. Felizes são o Agnus Dei e o Libera me, onde o medo não é o de não ter resposta para a morte. A não ser talvez isto: estou aqui, e componho. Estou aqui, ouçam. Joana Carneiro foi incansável na procura de revelar todas as qualidades deste Requiem, com um coro entusiasmado e concentrado, atravessando as dificuldades numa estreia que acabou com um aplauso generoso a Pinho Vargas, com muita gente de pé.