… da irrelevância…

Não é a primeira, nem será a última vez certamente; mas lendo os “jornais de referência” que saem à sexta-feira com suplementos culturais, poderia muito bem concluir-se que a música que mais me interessa já não existe!
Refiro-me não só à que faço, mas também à dos meus colegas da ESML, das outras escolas ou universidades, dos meus amigos compositores, portugueses ou não, e mesmo a dos músicos de jazz e afins, talvez em menor grau; toda essa música só muito esparsamente é objecto de notícia ou de crítica.
Nem sempre foi assim, nem sempre foi tão radical a indiferença.
Verificaram-se alterações notórias nos jornais. Nas redações, nas orientações e nas directivas que emanam das empresas que os dirigem, os estagiários, etc. Sabemos que críticos que tiveram avenças com os jornais durante décadas, deixaram de as ter. E, mesmo assim, se continuam a escrever critica e as enviam para publicação, muitas vezes os editores da redações consideram-nas sem interesse, sem relevância. Este alerta de Jorge Calado, num colóquio há pouco mais de dez anos, confirmou-se em pleno. É este o ponto!
Que toda uma prática musical desapareceu há várias décadas das tvs era sabido, mas durante os anos da pandemia alguns colegas foram-me alertando para o agravamento da irrelevância social – no meu longo passado fui descrevendo os sinais deste processo, critica e insistentemente – de uma comunidade artística musical minoritária, é certo, mas bem activa. Música que todos eles ou todos nós fizemos e continuamos a fazer. Na maior parte das sextas-feiras dos suplementos culturais destes anos ou não existe ou existe pouco.
Parece-me que não é só em Agosto isso se verifica!

Devemos distinguir notícias da vida cultural, das notícias (ou críticas) da música, ela própria, tocada nos concertos. Se há um novo director artístico no Teatro de São Carlos, se há um problema laboral na Casa da Música, ou um novo presidente do CCB, um novo maestro titular na Gulbenkian, etc.; nestes casos há sempre notícias. Nada a opor. São importantes, sem dúvida, mas são sobretudo sobre os cargos, a direcção ou a vida interna das grandes instituições. Uma vez por ano a apresentação da programação da próxima temporada, com o habitual destaque para os grandes nomes que virão participar, tem um carácter de rotina. É com pena que posso dizer que não é exatamente assim que continuo a poder ler no The Guardian, ou Le Monde, críticas várias vezes por semana; tal como não era exatamente assim no Público nas suas primeiras décadas ou na revista do Expresso há 20 para não dizer 30 anos ou no Diário de Noticias. Conta como a excepção mais notória o JL onde Maria Augusta Gonçalves continua a seguir e escrever sobre os discos da música portuguesa desta área que vão sendo editados.

Então, paradoxalmente, é nas redes sociais como esta que temos acesso a muita informação que apenas lá (aqui) é publicada. Houve uma enorme inversão de valores. O discurso-tipo da imprensa de referência terá de reconsiderar este aspecto sob pena de, nesta área, continuar a perder leitores, mesmo entre os anteriormente fiéis. Pode ainda acontecer uma outra inversão: será aquele que ainda ostenta o nome de “jornalismo cultural” – que, aliás, já aparece entre aspas, o que não será bom sinal – que poderá tornar-se irrelevante!