A música é uma arte do tempo. Quando acontece e não é gravada nem fica registo algum, está perdida para sempre, foi tanto site-specific como time-specific. Aconteceu naquele local e naquele dia e o que fica é apenas a memória dos que estavam presentes e daqueles que a fizeram (e viveram). Quando é gravada esse fragmento de eternidade ultrapassa aquelas limitações e transforma-se em objeto que pode ser escutado até ao fim do mundo. Hoje uma dessas memórias levou-me às lágrimas.
O lugar foi o Paradiso em Amesterdão na Leidseplein, o ano terá sido 1989 e os músicos o Quarteto de António PInho Vargas a tocar Olhos Molhados e as vozes de Carlos do Carmo e José Mário Branco a cantarem a letra de Vitorino “Revoada no ar das gaivotas lá…” Só pude tentar dizer o que aquelas vozes ao meu lado esquerdo me fizeram sentir e ouvir, a passagem a duas vozes no tema final, nem sei quem ficou na voz de cima ou de baixo, era um milagre puro indecifrável de maravilha. As mãos e os braços levantaram-se na inútil tentativa de dar corpo àquela memória das vozes e da música. Talvez o Zé, o Pedro e o Mário se lembrem ainda. Mas eles já morreram… e que aqueles vozes ali juntas me tivessem hoje vindo à memória, comoveu-me mais uma vez e talvez não tenha sido a última.
Sou dado a essas coisas e abraço-os na minha imaginação.