A proposta do CCB para o evento de 19 de Março de 2019, consegue ultrapassar qualquer expectativa que pudesse ter. Na verdade, Six Portraits of Pain de 2005 para violoncelo e orquestra, contém na sua origem um conjunto de seis textos curtos retirados de poemas ou excertos de livros de poetas, escritores e filósofos sobre os vários modos nos quais se manifesta a dor dos humanos: a dor existencial, a dor da perseguição política, enfim, o desencanto do mundo. Que desta obra musical se possa partir para uma outra artista, cineasta ilustre que admiro – Teresa Villaverde – realizar um terceiro nível de resposta artística – um filme mudo – para esta música constitui uma grande ideia e, para mim, uma enorme satisfação. A que mais pode aspirar um compositor para além de uma obra sua poder suscitar, provocar, originar uma outra criação?
Nesse sentido espero do filme de Teresa Villaverde certamente a sua leitura-imagem, a sua interpretação criativa dos dois níveis anteriores: os textos que escolhi para compor e a própria música que fui capaz de fazer.
Na primeira parte deste momento muito invulgar será estreada uma encomenda do CCB para esse fim. As obras reclamam os seus títulos. O que escolhi para esta obra é igualmente pouco habitual neste nosso tempo: Sinfonia (subjetiva). Sinfonias contam-se por milhares na história; subjectivas são todas as obras de arte enquanto resultado da acção de um sujeito, enquanto produtos do trabalho humano dos artistas de todas as artes. Nós, precisamos de metáforas no nosso trabalho, quer seja um verso de um poeta, um conceito genérico e abstracto como, por exemplo, violência, amor ou ironia, quer seja ainda uma ideia vaga de uma história, de uma narrativa. A música dita pura (sem palavras) tem a tarefa imensa de produzir algo de significante enquanto tal. É a nossa tarefa e desafio de cada vez. Sejam quais forem os pontos de partida, as metáforas, as narrativas ou outros pretextos, a responsabilidade final é apenas do seu autor, do compositor tal como dos artistas em geral. Na música acrescentam-se os músicos, os intérpretes que lhe dão a realidade sonora que constitui o seu ser essencial. As metáforas em si mesmas continuam a existir, indiferentes à obra, passíveis de novos usos criativos no futuro e substituem-se ou complementam as antigas musas ou os deuses ausentes. A música tem de se realizar em obra enquanto música. Heidegger passa muitas páginas a tentar demonstrar com a sua persistência circular que antes de ser obra, uma obra de arte é uma coisa. Estamos tão habituados à expressão ‘obra de arte’, seja qual for o seu meio de expressão específico, que podemos muito bem esquecer essa carácter primordial e milenar: ‘coisas’ resultantes do trabalho humano na sua ânsia de tratar, de trabalhar, de enfrentar na obra, os seus medos, anseios, desejos, enfim, o seu desejo último de expressão, de dar uma razão de ser secreta à sua vida. Nesta ambivalência sempre presente reside tanto o lado mais maravilhoso como o mais duro. No longo tempo do fazer das obras ‘os criadores’ – um termo que por si só exprime o inalcançável divino perfeito que paira por cima – fazem sempre o melhor que podem e quando acontece uma emoção estética somos obrigados a celebrar: a obra conseguiu existir e interpelar. Interpelar é o seu máximo objetivo. Neste concerto haverá uma pluralidade de patamares de expressão e certamente múltiplas interpelações aos vários e infinitos outros.

António Pinho Vargas