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Sobre as 9 Canções de António Ramos Rosa (1996)
uma teoria e um texto9 Canções de António Ramos Rosa para canto e piano .
uma teoria e um texto
Nos ùltimos anos para cada peça que componho, faço uma pequena teoria. Não é elaborada antes nem depois mas durante a própria composição. Precisando melhor. Existe alguma teoria-antes mas diz respeito principalmente a algumas ideias sobre o estado actual da criação musical e o seu contexto. Há alguma teoria-depois mas no sentido de reunir e formular globalmente o conjunto dos princípios que informaram a peça. Este texto pertence a esta última categoria (teoria-depois)
Começo pela teoria-antes. Penso que hoje (1996) existem à disposição dos compositores objectos musicais de todo o tipo. Um acorde perfeito tem um passado históricamente circunscrito , uma série dodecafónica igualmente, um ritmo irracional idem, uma pulsação regular aspas e por aí fora. Penso que não há hoje razões sustentáveis para só utilizar uma parte destes objectos em nome de qualquer "ideia de futuro" da música. Por isso utilizo os que me parecem melhor em cada momento. O sistema tonal tal como existiu nos séculos XVIII e XIX não é reconstituível . Mas os seus objectos , ligados à existência inexorável da série dos harmónicos podem na minha perspectiva ser utilizados como quaisquer outros. A ideia de esgotamento, qual boomerang, regressa sempre atingindo as novas linguagens, tornando-as rápidamente velhas. O problema para mim é o discurso não o vocabulário. Não estou sózinho nesta convicção, mas não obrigo ninguém a concordar com ela.
A teoria-durante foi neste caso determinada pelos belos poemas de António Ramos Rosa. Como é evidente antes de começar a compôr li os poemas. E alguns deles e, por vezes, algumas palavras dentro de um poema desencadearam uma resposta. Alguns exemplos: no poema "tacteio sobre o branco " a palavra tacteio permitiu-me algumas associações com elementos musicais específicos como staccato, hesitando, passagem do cantado ao falado etc; no poema "o que escrevo por vezes" o verso "um espaço intacto e puro " sugeriu-me no contexto entretanto criado uma cadência perfeita; o verso "um gesto que procura a origem " lançou-me para uma figura musical isolada que, além de ser um gesto musical própriamente dito, reclama um determinado gesto físico do pianista; o verso "será que o mundo escuta " obrigou-me a interromper o discurso musical, introduzindo um elemento estranho que pede um outro tipo de escuta, etc.
Uma peça musical é apenas uma peça musical. Não transporta consigo o peso do futuro da humanidade, nem o seu destino. À parte isso "tem todos os sonhos do mundo"
Esta peça foi encomendada pelos Encontros Musicais Primavera , organizados pela Associação Cultural Convívio de Guimarães com direcção artística da D. Helena Sá e Costa e foi estreada em 1995 por Rui Taveira e Jaime Mota.
Março de 1996