Sobre o Quarteto de Cordas nº 3
A minha posição face à composição é de tal modo diferente dos discursos correntes sobre música, passe o exagero, que posso repetir muitas vezes o que já escrevi sobre outras peças ou em textos mais gerais, que não corro o risco de me tornar enfadonho. Para mim, portanto, cada peça constitui um “estar-lançado”, um momento de uma realização particular que não parte de princípios ou teorias gerais e que produz um artefacto humano, dotado, por isso, de total contingência e singularidade. O único princípio que permanece estável é a minha convicção na liberdade do ato criativo e a confiança, quiçá excessiva, mas, em todo o caso, indispensável, no meu critério auditivo como gerador dos materiais e organizador, tanto das suas relações, como da forma.
Neste caso, o facto de ser o meu terceiro quarteto e se verificar a distância de dezanove anos em relação ao primeiro – Monodia –quasi um requiem (1993) – e de quatro anos em relação ao segundo – Movimentos do subsolo (2008) – sublinha esse lado singular de cada obra.
Uma vez constituídos os matérias iniciais – de dois tipos diversos – o percurso narrativo ou discursivo de cada um dos dois andamentos da peça, acaba por ser aproximado por uma metáfora comum: um percurso de uma certa forma de “ordem” para uma certa forma de “caos”. Tanto um conceito como outro (ordem/caos) são puramente privados e destinados a um uso pessoal e, como sempre, particular. Mas, dirigindo-se a música, sempre e em primeiro lugar, à percepção sensível, julgo que cada ouvinte poderá levar a cabo o seu trabalho reconstrutivo com autonomia e, ao mesmo tempo, reconhecer talvez uma significação específica desses conceitos, certamente diversa para cada ouvinte, como sempre acontece.
Encomenda do Instituto Superior Técnico
Escrito para o Quarteto de Cordas de Matosinhos que estreou a obra no Instituto Superior Técnico de Lisboa.
António Pinho Vargas, 2012