Sobre Sinfonia (subjetiva)

As obras reclamam os seus títulos. O que escolhi para esta obra é igualmente pouco habitual neste nosso tempo: Sinfonia (subjetiva). Sinfonias contam-se por milhares na história; subjectivas são todas as obras de arte enquanto resultado da acção de um sujeito, enquanto produtos do trabalho humano dos artistas de todas as artes. Nós, precisamos de metáforas no nosso trabalho, quer seja um verso de um poeta, um conceito genérico e abstracto como, por exemplo, violência, amor ou ironia, quer seja ainda uma ideia vaga de uma história, de uma narrativa. A música dita pura (sem palavras) tem a tarefa imensa de produzir algo de significante enquanto tal. É a nossa tarefa e desafio de cada vez. Sejam quais forem os pontos de partida, as metáforas, as narrativas ou outros pretextos, a responsabilidade final é apenas do seu autor, do compositor tal como dos artistas em geral. Na música acrescentam-se os músicos, os intérpretes que lhe dão a realidade sonora que constitui o seu ser essencial. As metáforas em si mesmas continuam a existir, indiferentes à obra, passíveis de novos usos criativos no futuro e substituem-se ou complementam as antigas musas ou os deuses ausentes. A música tem de se realizar em obra enquanto música. Heidegger passa muitas páginas a tentar demonstrar com a sua persistência circular que antes de ser obra, uma obra de arte é uma ‘coisa’ que é preciso fazer. Estamos tão habituados à expressão ‘obra de arte’, seja qual for o seu meio de expressão específico, que podemos muito bem esquecer essa carácter primordial e milenar: ‘coisas’ resultantes do trabalho humano na sua ânsia de tratar, de trabalhar, de enfrentar na obra, os seus medos, anseios, desejos, enfim, o seu desejo último de expressão, de dar uma razão de ser secreta à sua vida. Nesta ambivalência sempre presente reside tanto o lado mais maravilhoso como o mais duro. No longo tempo do fazer das obras ‘os criadores’ – um termo que por si só exprime o inalcançável divino perfeito que paira por cima – fazem sempre o melhor que podem e quando acontece uma emoção estética somos obrigados a celebrar: a obra conseguiu existir e interpelar. Interpelar é o seu máximo objetivo. Esta obra leva a cabo um diálogo com a tradição que, de certo modo, é sempre a “minha tradição”. De modo inverso, este texto talvez não tenha uma relação directa com a obra. Ser-lhe-á paralelo.

António Pinho Vargas (entre 2019 e 2024)