Manuel Pedro Ferreira, in Público
Ficou para o fim a apreciação da obra de António Pinho Vargas, “Acting-Out”, apresentada pela primeira vez na versão revista. Nela, a orquestra, o maestro e os solistas – o pianista Miguel Henriques e a percussionista Elisabeth Davies – mostraram como é importante o cuidado na preparação de uma peça nova: a impecável execução foi meio caminho andado para uma calorosa recepção. O certo é que a partitura, a princípio seduz mais pelo fino tratamento das sonoridades do que pelas ideias expostas, propositadamente reduzidas a um pequeno núcleo de carácter abstracto. Então, progressivamente, do estatismo inicial o compositor faz surgir, com uma continuidade que surpreende, secções rítmicas activas, quase empolgantes; e à medida que expõe o seu jogo dramático, em que o piano surge em primeiro plano, todo um mundo simultaneamente variado e coeso faz a sua aparição, com um equilíbrio formal que encontra na secção final uma chave de ouro, com o piano a assumir uma tonalidade antes apenas sugerida pela sua insistência em intervalos diatónicos. “Acting-Out” retira assim a sua inegável beleza, não só da mestria da orquestra e da sua coerência técnica e dramática, como sobretudo do facto de ser uma composição retoricamente perfeita, evidenciando um absoluto domínio da forma e do trânsito entre temporalidades. Trata-se, certamente, de uma das melhores obras de António Pinho Vargas, e também, segundo julgo, de uma das melhores obras escritas em Portugal nos últimos 15 anos.